Apagão visual
Sem planejar fiz um tour pelo centro de Cuiabá, hoje chamado de Histórico, e tombado pelo Patrimônio Histórico e Cultural da União.
Nunca poderia imaginar que a casa onde nasci, na Rua de Baixo, depois de transformada em um salão comercial, pudesse ser patrimônio histórico e cultural da minha querida cidade natal.
Visitei a “maternidade” em que nasci.
Naquele quintal meu pai cavou um buraco e enterrou a companheira, mais conhecida hoje pelo nome de placenta.
Estudando ciências naturais, comecei a entender as coisas, e como achava indecente falar placenta ou companheira enterrada, passei a usar muito a expressão meu umbigo, que é um pedaço do cordão umbilical que fica amarrado no abdome das crianças.
Cai espontaneamente, quando um ritual é preparado, para proteger os recém-nascidos.
O local no qual vivi até os dez anos é hoje um imenso salão comercial.
Procurei a escada da sala de visitas, o quarto do meu nascimento, em cujas janelas frequentemente me sentava, o banheiro no quintal, as plantas, o lugar do jogo de botões. Tudo havia sido demolido, aterrado e nivelado, para as suas novas funções.
Pedaço de mim estava perdido e nem um lugar havia onde os antigos marcavam simbolicamente o início da nossa vida terrestre. O cimento tinha encoberto sonhos e fantasias daquela criança.
Com orgulho juvenil sempre repetia, para demonstrar meu amor por Cuiabá: - “Meu umbigo está enterrado na terra sagrada deste quintal!”
Continuo a minha caminhada, lembrando-me das personalidades que construíram esta civilização. Encontrei escombros de casas de arquiteturas coloniais em estado de decomposição.
Vi há pouco imagens daquilo que fizeram em Hiroshima há sessenta anos.
O centro de Cuiabá é uma Hiroshima do desleixo e desinteresse de várias gerações de cuiabanos de tchapa e cruz que nada fizeram para salvar o nosso DNA arquitetônico.
Exemplos bons devem ser copiados, mas não tivemos a visão do nosso vizinho Estado de Goiás que, sabiamente, preservou a sua cidade histórica e construiu uma moderna capital, visando o futuro.
Não temos aqui nem uma coisa nem outra.
Descaracterizamos o nosso passado e não construímos o futuro para o mundo contemporâneo.
O grande centro de vivência, que era o centro de Cuiabá, parece uma cidade de garimpo novo sem planejamento, leis e segurança.
A principal e histórica Praça Alencastro, durante o dia, é lugar de comércio extremamente perigoso. À noite, centro de prostituição e venda de drogas. Além de albergue para os dependentes químicos.
Em Paris os brasileiros sentem orgulho, quando os guias turísticos mostram onde mora o Chico Buarque.
Em Cuiabá não existe uma placa ou marco, mostrando onde nasceu o único presidente da República cuiabano que, para quem não sabe, tinha o nome de Eurico Gaspar Dutra.
Centro Histórico sem história, terreno fértil para o endeusamento de muitos equívocos históricos derramados nesta santa terra de Rondon, conhecido, aqui, como Cândido Mariano.
Senti um apagão visual, ao verificar a ausência dos antigos casarões cuiabanos onde cada parede de terra era um pedaço da nossa história.
Infelizmente o nosso Centro Histórico é uma imensa sequência de estacionamentos de veículos. Virou uma cidade garagem.
Foi o mais triste apagão visual de que me recordo haver presenciado.
Vândalos não respeitaram nem a placa de bronze que um dia indicou que, naquele casarão da Rua do Campo, funciona a Academia Mato-Grossense de Letras, e o Instituto Histórico e Geográfico de MT. Para resolver essa falta de respeito com o nosso passado, o governo planeja acabar com a paupérrima Secretaria de Cultura.
Sobrará dinheiro para as obras da Copa, é a justificativa.
Gabriel Novis Neves
Nana querida,
ResponderExcluirÉ incrível o seu trabalho de convencimento visual.
Um texto assim, brilhante-parabéns uma vez mais
ao autor, com todos os louvores, ainda fica mais encantador com a sua arte a ilustrá-lo,
Nana.
De 1 a 10, só posso dar nota 1000.
O conjunto da obra, esplêndido!
De beleza E MAGNIFICÊNCIA você entende minha querida, e esbanja, para regalo de nossos olhares maravilhados.
PARABÉNS,
Obrigada, muito obrigada,
carinho,
Bjs,
Eliana Crivellari
Prof.Dr.Gabriel,
ResponderExcluirGostei da leitura. Achei mais triste a forma abordada sobre o centro de Cuiabá do que passando por lá. Talvez a pressa, o trânsito não me permita uma observação dos detalhes percebidos por você que nasceu e passou toda sua primeira infância nesta área.
Muito interessante à descrição sobre o seu nascimento e o destino dado ao seu umbigo, com certeza, feito pela sua mãe, pois o mesmo fiz com os dos meus filhos, só que na porteira da fazenda. Penso que também os dentes de leite tenham sido jogados no telhado da casa.
Mesmo que "o cimento tenha encoberto sonhos e fantasia daquela criança", o importante é que elas estão vivas em sua memória. Esta fase da história de sua vida nunca será apagada. Faz parte de sua referência.
Profa.Delma-UFMT-Cuiabá-MT