Procura-se um estadista
Gabriel Novis Neves
Outro dia, aproveitando minha caminhada matinal, fui visitar as obras da Arena Pantanal.
Na área próxima à construção já percebi certa agitação. Ao me aproximar mais um pouquinho, não muito, pois os incontáveis seguranças ali presentes impediam os curiosos de ficar bisbilhotando, pude verificar que as obras estavam a todo vapor.
De um lado o frenesi dos operários trabalhando, caminhões indo e vindo, máquinas e equipamentos espalhados pelo canteiro.
Do outro, uma longa fila de jovens, na maioria do sexo feminino, frente à administração do Elefantinho, para teste de seleção a cargo burocrático.
Além disso, inúmeras placas anunciando vagas para pedreiros, carpinteiros e armadores.
Eu diria mesmo, desculpem o chavão, que a vida ali pulsava.
Tirei muitas fotos: 33 imagens, que um dia, quem sabe, terão o seu valor.
Volto para casa.
Ligo a TV para assistir ao noticiário local enquanto tomo meu café.
Na tela, cenas de horror gravadas no Pronto Socorro Municipal.
Pacientes espalhados pelo chão, misturados com a sujeira e água de esgotos. Macas improvisadas como leitos, ocupando os corredores do hospital.
Pacientes sentados em cadeiras por todos os lugares do prédio, sem ao menos terem sido avaliados sobre a sua gravidade.
Acompanhantes com expressões de sofrimento e desesperança; servidores de abatimento e impotência. E os pacientes? Fisionomias transfiguradas pelo cansaço e dor, aliada ao sofrimento, e incerteza da espera.
O relato amargurado de uma médica nos informou que drenagem de tórax no Pronto Socorro é realizada com gilete, pois não existe lâmina de bisturi no hospital.
Um médico que tentava manobras de ressuscitação em um paciente com parada cardíaca, foi surpreendido pelo desabamento do teto da sala, onde fazia o procedimento.
Por todo lado o que se via era sofrimento.
Não há como não se sentir revoltado.
Cenas fortes que me remeteram à cenas típicas de um país em guerra.
Não podemos mais postergar essa situação que não é de hoje - apenas a bolha estourou agora.
Nas opiniões do Conselho Federal e Regional de Medicina, do Sindicato dos Médicos, dos pacientes e seus parentes, dos trabalhadores da saúde e da população em geral, chegamos ao fundo do poço.
A reportagem deixou-me taciturno.
Não somente pelo que vi na tela – imagens que estão se tornando rotineiras por aqui - mas, sobretudo, porque tinha acabado de presenciar a vida borbulhante no canteiro de obras da Arena Pantanal.
Que triste contraste! Em ambas as situações, o Governo é o protagonista. Ah, se o Governo transferisse a mesma coragem e disposição demonstrada naquele canteiro de obras em busca do cumprimento de um prazo estabelecido, para a resolução da situação caótica da saúde, com certeza seria uma extraordinária demonstração de que estaríamos sendo governados por um estadista – e não por um mero continuista.
O que não podemos, e não devemos mais suportar é a ferocidade dessa dualidade: a morte rondando dentro dos hospitais e a vida pulsando nos canteiros de obras.
Senhor governador, uma frase proferida por um grande estadista francês é um convite à reflexão:
“A coragem é a primeira virtude do estadista. Sem ela, a coragem, todas as outras virtudes desaparecem na hora do perigo.”
Assuma a função de estadista. Comande e vença essa guerra. Passará à história, não como o governador da continuidade da nossa maior tragédia social, mas como o governador estadista.
Inicie já, a construção do Hospital das Clínicas de Cuiabá, com o mesmo empenho das obras da Arena Pantanal!
*Gabriel Novis Neves, Professor-Fundador e Primeiro Reitor da Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT- é médico obstetra em Cuiabá.
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