sexta-feira, dezembro 09, 2011

Não estava fácil e os minutos transcorriam sem que a solução para o problema aparecesse. Todo o resto dependia desse primeiro movimento

Qual é a boa de hoje?



Valéria del Cueto

Sinceramente, não sabia. Não por que não quisesse, mas por ignorância mesmo. Sua bola de cristal estava no conserto e qualquer prognóstico sobre o desenrolar dos acontecimentos seria prematuro.
Não que houvesse algo diferente nesse dia. Era como todos os outros e, como tal, havia uma hipótese, remota ou não, de que algo acontecesse. Mas era só.
Tudo o que podia fazer era analisar as condições vigentes e ficar de butuca, para as coisas que poderiam ocorrer.
Tinha prazos, é verdade, mas nada que não pudesse esticar um pouco.
O tempo não ajudava. A chuva fininha que caía lá fora era um prenúncio de engarrafamentos e umidade. Mas, por outro lado, garantia uma temperatura agradável. Nada que os calorentos de plantão pudessem condenar.
Com esse quadro climático o ideal era ficar em casa, o que nem sempre era possível, já que o trabalho e uma série de compromissos aguardavam impacientes que saísse da inércia.
Não estava fácil e os minutos transcorriam sem que a solução para o problema aparecesse. Todo o resto dependia desse primeiro movimento. Só que...
Ali estava. Imóvel, inerte e sem vontade. Procurando em seu HD interno a motivação necessária para dar início a tarefa.
Ela, que nunca é um peso e costuma ser um grande prazer. Se não falhasse, de vez em quando. Muito raramente.
Aí, ficava aquela busca, uma procura insana, na medida em que o tempo ia escoando, o prazo final se aproximando e... nada!
Também quem mandou jurar de pés juntos que jamais usaria seus recursos para se lamuriar ou reclamar da vida?
A realidade é que existem momentos em que não há espaço para o otimismo e a boa vontade que deve mover os homens e, entre amaldiçoar a humanidade e invadir a intimidade das pessoas com críticas e reclamações, o melhor, sem dúvida, era se calar.
E assim seria. Já havia determinado (com a coragem necessária para reconhecer sua incapacidade momentânea de produzir um bom trabalho) que, infelizmente, falharia na sua missão.
E olha que isso não é para qualquer um. Reconhecer sua própria fraqueza é um mérito e tanto.
Com o passar das horas e a premência do movimento, decidiu se dar uma última chance. A derradeira. Abrir seus canais energéticos e mentais para um caminho que levasse ao cumprimento do quase sempre agradável trabalho semanal.
Nada aconteceu. Nenhuma idéia brilhante surgiu. Pegou o celular para checar o tempo que lhe restava até dar por fracassada a missão.
Nele, uma mensagem dizia: ”Qualé a boa de hoje?”. Olhou o número, que não conseguiu reconhecer. Correu para o computador e começou seu texto pela frase da mensagem.
O que vai acontecer depois ainda não sabe, já que não tem idéia de quem seja o autor(a) da torpedo. Só sabe que graças a esse gesto incógnito já ganhou seu dia.
Conseguiu, mais uma vez, manter a escrita e chegar a seus leitores com uma mensagem positiva: tudo pode acontecer, mesmo num dia chuvoso  em que a inspiração te abandone. Sempre haverá quem queira saber “qual é a boa de hoje”. E outro alguém cheio de esperança querendo saber “quem é você?”  



* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série Parador Cuyabano do SEM FIM


Um comentário:

  1. Mais uma vez, agradeço a Valéria pelo belo texto, e a Nana Merij pela lindíssima e talentosa ilustração.
    bjs,
    Eliana Crivellari-BH-MG

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